20 ações para impulsionar o transporte ativo no Brasil

O rápido crescimento e desenvolvimento urbano do Brasil trouxe desafios sociais, econômicos e ambientais complexos. O aumento do poder aquisitivo somado ao padrão carrocentrista de desenvolvimento resultou em congestionamentos, expansão urbana, poluição do ar e um forte incremento nas estatísticas de mortes no trânsito. O número de carros nas vias urbanas atualmente soma mais de 1 bilhão no mundo, com estimativa de crescimento para 2,5 bilhões em 2050, indicando o aumento dessas externalidades caso esse padrão não seja revertido. É preciso proteger pedestres e ciclistas – os mais vulneráveis nas ruas – que representam mais de 20% das mortes no trânsito no Brasil.

Mais de 40 mil pessoas morreram vítimas de acidentes de trânsito em 2013 no país, de acordo com dados do Ministério da Saúde. No mundo, a violência no trânsito é a principal causa da morte de jovens entre 15 e 29 anos. Adicionado a isso, a falta de investimento em infraestrutura para atender as necessidades dos pedestres e ciclistas desencoraja deslocamentos ativos e aumenta a inatividade física. No Brasil, entre 2002 e 2007 houve uma redução de 6% na atividade física e as projeções apontam para uma redução de 34% até 2030.

A percepção da insegurança pública tem provocado alterações significativas na escolha dos modos de transporte desfavorecendo os deslocamentos a pé e de bicicleta. A infraestrutura e os programas voltados para os modos ativos nas cidades brasileiras não atendem às necessidades ambientais e humanas e são insuficientes para responder às demandas do crescimento populacional e das alterações climáticas.

Este documento apresenta os desafios e as ações para colocar a mobilidade urbana das cidades brasileiras em um caminho mais seguro e sustentável, através do transporte ativo, tratado aqui como a pé e de bicicleta. Apesar das ações apresentadas serem destinadas ao poder público, é sabido que o governo não atingirá os objetivos sozinho. A colaboração entre os governos federal, estadual e municipal, em coordenação com a indústria, comércio, organizações não-governamentais e sociedade civil é fundamental.

O objetivo deste documento é estabelecer uma diretriz e prover insumos para a elaboração de planos de ação pelas cidades para fomentar a mobilidade a pé e de bicicleta.

Os desafios do transporte ativo

As 20 ações são resultado de uma força-tarefa que envolveu representantes das três esferas de governo, instituições federais ligadas ao tema, organizações não-governamentais e outros tomadores de decisão relevantes. Foram realizadas cinco reuniões entre os meses de agosto e novembro de 2016 onde foram discutidos os desafios e oportunidades de investimentos em transporte ativo nas cidades brasileiras. As reuniões tiveram foco nos modos a pé e bicicleta abordados de igual forma. Com base nas discussões, foram identificados os principais desafios para o fomento do transporte ativo nas cidades brasileiras.

O incentivo à mobilidade ativa enfrenta outros desafios comuns da gestão pública como excesso de burocracia para executar iniciativas, falta de integração entre setores do poder público, falta de estratégia de comunicação com a população e dificuldade de articular a participação social. Entretanto, os debates realizados trouxeram à tona problemas especificamente relacionados ao transporte ativo, os quais podem ser classificados em 7 desafios:

  1. Instaurar a visão de rede de transporte ativo e integração com o transporte coletivo
  2. Obter dados para monitoramento e fiscalização
  3. Instituir diretrizes regulamentadas de infraestrutura
  4. Estabelecer a governança das calçadas
  5. Direcionar investimentos
  6. Conscientizar a população
  7. Estimular o uso do transporte ativo

Tendo como base as discussões realizadas ao longo da força-tarefa, este conjunto de ações tem o objetivo de solucionar os 7 desafios para o fomento da mobilidade ativa nas cidades brasileiras.

Ações

As ações aqui propostas têm como foco o setor público e foram divididas entre o nível municipal e federal. Também estão relacionadas formas de financiamento das mesmas. Essas ações abordam questões urgentes que cidades brasileiras enfrentam com relação à mobilidade ativa, ao mesmo tempo que estabelecem importantes pilares para uma mobilidade sustentável no futuro. Elas refletem uma integração de tendências mundiais com o importante trabalho em curso em que os governos federais e municipais já estão envolvidos.

Avaliamos cada ação em três categorias:

Ações de nível municipal

As cidades não possuem recursos humanos e financeiros suficientes para resolver todos os problemas ao mesmo tempo.

Para concentrar o impacto do esforço municipal, foi definido um conjunto com 16 ações prioritárias:

As intervenções para qualificação do transporte ativo têm ocorrido de forma pulverizada nas cidades. A identificação e definição de centralidades urbanas permite estabelecer os locais onde serão prioritárias

Para identificar estas áreas da cidade é preciso fazer uma leitura do espaço, identificando regiões não muito extensas que concentrem atividades como emprego, serviços públicos e lazer. É preciso também priorizar áreas com população de baixa renda que apresentem carência em infraestrutura, com o objetivo de equilibrar os benefícios das ações na cidade. Atuar primeiramente nessas áreas permite atingir o maior número de pessoas com uma quantidade menor de intervenções, contribuindo para a criação de uma cultura de uso do transporte ativo.

O Plano Diretor de Transporte Ativo (PDTA) deve ser integrado ao Plano de Mobilidade e ao Plano Diretor Municipal, atendendo às diretrizes, ações, instrumentos e metas para o transporte a pé e de bicicleta neles estabelecidos.

Os principais instrumentos do PDTA são detalhamentos para a implementação de planos de caminhabilidade e cicloviário, incluindo ações em educação, gestão e financiamento. Estes detalhes podem envolver diretrizes para a avaliação quantitativa e qualitativa de calçadas e vias cicláveis, padrões de infraestrutura, sinalização e sistemas de informações voltados ao transporte ativo, a proposição de uma rede urbana prioritária de caminhabilidade e cicloviária para o município e a definição de diretrizes para campanhas educativas.

A elaboração de um PDTA é fundamental para dar protagonismo à mobilidade ativa, tanto no planejamento como na implementação de ações na cidade.

Assumir o transporte ativo como forma de deslocamento prioritária no âmbito municipal passa pela criação de um departamento de transporte ativo, preferencialmente integrado à Secretaria de Mobilidade, para ajudar a coordenar, dinamizar e agilizar os processos e projetos na área. As funções do departamento envolvem o projeto da infraestrutura destinada aos deslocamentos a pé e de bicicleta, o gerenciamento da operação e a supervisão e fiscalização das atividades de entidades que executam obras de infraestrutura e programas de incentivo.


Locais com intensa movimentação de pedestres e ciclistas e recorrência de atropelamentos e outros acidentes com vítimas graves ou fatais apresentam as principais características para justificar a redução do limite de velocidade dos veículos motorizados. Regiões delimitadas e formadas por um conjunto de ruas onde a máxima velocidade permitida é de 20 km/h, 30 km/h ou 40 km/h são chamadas de zonas de baixa velocidade e favorecem a circulação de pedestres e ciclistas, transmitindo uma sensação de segurança.

É essencial que exista compatibilidade entre o limite de velocidade e o desenho do ambiente viário, o que significa que a infraestrutura viária deve ser adaptada ao novo limite de velocidade. Esforços de fiscalização também são importantes, especialmente no período logo após a implantação da área, para que o limite de velocidade em vigor seja respeitado.

Os métodos de contagem de fluxo devem contabilizar o número de pessoas que se deslocam ‒ não os veículos ‒ e devem estabelecer diretrizes para medições de forma sistemática para permitir comparação dos padrões ao longo do tempo, mesmo em cidades diferentes. Além disso, tanto a infraestrutura urbana existente como os usos dados para o espaço (residência, comércio, serviços, empregos ou lazer) influenciam a demanda de deslocamentos a pé e de bicicleta. Identificar eixos prioritários de acordo com as reais necessidades torna os investimentos mais eficientes.

Métodos de contagem

Contagem fotográfica: presencial; deve-se gerar uma imagem para cada ciclista que passar pelo local; as fotos devem ser tiradas sempre a partir do mesmo ponto.

Contagem automática: pode ser feira com detectores infravermelhos passivos; detectores infravermelhos ativos; detectores de rádio; contadores de pressão subterrânea, contadores de tubo pneumático; processamento de imagens de vídeo; ou detectores indutivos.

Contagem manual: pode ser setorial; em linha; a partir de entrevistas; em estacionamentos de bicicletas; ou a partir da dods de censos demográficos.

Mais informações aqui.

Facilitar à população o acesso aos dados produzidos ou acumulados pelo poder público de forma aberta aprimora a cultura de transparência pública. Além de promover o compartilhamento de informações, de forma a evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos na disseminação de dados, a política de transparência de dados permite embasamento da sociedade civil para discutir melhorias da infraestrutura urbana e das operações viárias.


Estudos de impacto contribuem para demonstrar a utilidade da introdução de novas medidas. As medições devem ser realizadas antes e depois da implantação dos projetos podem envolver contagem de fluxos de pessoas, análise de aspectos socioeconômicos, registro de acidentes de tráfego e pesquisas de percepção do ambiente construído. Além de justificar investimentos futuros em infraestruturas dedicadas ao transporte ativo, os impactos proporcionam dados para apoiar a comunicação das medidas para a população, com o objetivo de ampliar a compreensão dos motivos pelos quais se escolheu aplicar tais medidas.

Quem vive a cidade e realiza deslocamentos a pé e de bicicleta conhece os desafios enfrentados no dia a dia em termos de infraestrutura urbana e operação do sistema viário. Toda a população pode contribuir para o mapeamento dos problemas encontrados em estruturas como calçadas, travessias, rotas dedicadas aos ciclistas e parques. Essa participação estimula o surgimento de uma herança cultural, o interesse pela história local e a criação de uma identidade da área. O diagnóstico pode ser realizado através de aplicativos para smartphones, oficinas de participação popular e ouvidoria ou outro sistema, e deve estar aliado a um plano de resposta que incentive o envolvimento contínuo da população.


As vias podem ser destinadas a diferentes usos ao longo do dia, revelando potenciais diversos para atender os públicos que frequentam o local. Desta forma, espaços com característica de passagem durante o dia podem se tornar destinos durante a noite. Esta regulamentação é especialmente útil no caso de locais ocupados pelo comércio informal em calçadas que podem ter horários e espaços definidos de forma a não interferir no fluxo de pedestres.

A regulamentação do uso dos espaços públicos cria também o correto equilíbrio entre espaços de circulação e de permanência, contribuindo para a visão de rede do transporte ativo e também para o aumento da vitalidade urbana. Essa regulamentação deve também fomentar eventos ao ar livre, feiras de rua e outras atividades públicas.

Edificações com fachadas ativas, ou seja, que provêm atividades instaladas nos pavimentos térreos, promovem maior circulação de pedestres e aumentam a segurança pública. Para evitar a multiplicação de fachadas cegas, sem interação entre as construções e a calçada, é necessário estabelecer critérios obrigatórios e instrumentos de incentivo no Plano Diretor Municipal.

O poder público deve assumir a execução e manutenção das calçadas nas centralidades e rotas identificadas como prioritárias no Plano Diretor de Transporte Ativo ou em diagnóstico prévio. O objetivo desta ação é garantir a continuidade da calçada de forma homogênea e acessível para todas as pessoas. A padronização da calçada nas centralidades também permite a criação de uma identidade visual, importante para o sentimento de pertencimento que incentiva a população a zelar pela cidade. As rotas prioritárias devem envolver locais com alto fluxo de pedestres, entorno de escolas e hospitais, bem como bairros de baixa renda.

Apesar do impacto diário do transporte ativo na vida cotidiana dos cidadãos, temas como saúde, segurança e educação sempre se colocam como mais relevantes nos orçamentos municipais. A falta de prioridade dada à mobilidade em geral e, mais especificamente, ao transporte ativo reflete na destinação de recursos. É necessário que as administrações municipais aloquem recursos específicos para o transporte ativo, garantindo investimentos na infraestrutura cicloviária e na construção e manutenção de calçadas. Se vinculados ao PDTA, os recursos destinados ao transporte ativo podem ser previstos a partir de um Fundo Municipal de Mobilidade ou de Transporte Ativo, composto por recursos provenientes de medidas compensatórias, multas, cobrança por estacionamento na via pública, entre outros.


A escola faz parte do cotidiano das crianças e adolescentes. Sendo o centro de uma atividade cotidiana e repetida diariamente, o entorno por onde elas caminham, vivenciam, experimentam sensações e medos – portanto além da sala de aula – acaba impactando suas percepções.

Por este motivo, o deslocamento para a escola é uma atividade que pode educar e ajudar na formação da criança. A lei do transporte escolar obriga a provisão de transporte por parte do Estado ou município, mas geralmente a única opção ofertada é o transporte motorizado. Iniciativas como o “ônibus a pé”, recorrentes em cidades europeias, oferecem a opção de as crianças realizarem o trajeto casa-escola a pé ou de bicicleta de forma segura, incentivando o uso do transporte ativo desde cedo.

Através da lei de transporte escolar é possível incentivar que mais crianças caminhem ou pedalem para a escola, prevendo condições adequadas e acompanhamento na condução a pé ou em bicicleta dessas crianças. Além de aumentar a condição de segurança nos deslocamentos ativos, esta medida pode diminuir a demanda por ônibus e vans, reduzindo os custos para o município.

Remover temporariamente os carros da cidade pode transformar ruas em espaços públicos e ao mesmo tempo revelar as potenciais oportunidades de aumento do número ‒ e da segurança ‒ de espaços para pessoas. Ações temporárias e com foco em lazer como as ciclofaixas de lazer e as ruas abertas são um importante passo para a promoção do transporte ativo. É importante, contudo, reconhecer essas medidas como etapa inicial de conquista do espaço e criação da cultura de uso do transporte ativo. É necessário ter uma estratégia para evoluir da ocupação de espaços de lazer para a criação de uma rede permanente de circulação de pedestres e bicicletas.

Por utilizarem formas de transporte de propulsão humana, pessoas que andam a pé e de bicicleta geralmente escolhem trajetos mais curtos e diretos. Contudo, como a maior parte da sinalização urbana é voltada para os automóveis, muitos atalhos e rotas favoráveis a pedestres e ciclistas são desconhecidos pela maioria das pessoas. Um sistema de sinalização com informações voltadas para esses usuários encoraja os deslocamentos ativos por proporcionar um entendimento do ambiente e ajudar o planejamento dos caminhos, com facilidade, confiança e autonomia. O sistema de sinalização deve prover informações como distâncias a lugares importantes nas proximidades, tempos de caminhada e pedalada, direções para chegar a esses locais e mapas simplificados da região.

O incentivo ao uso do transporte ativo possui relação direta com outros setores públicos. Ações que envolvam os interesses de múltiplos setores podem ser realizadas em conjunto como forma de otimizar recursos humanos e financeiros, garantir maior disseminação em diferentes áreas de interesse e criar estratégias de comunicação efetiva para a população.

A área da saúde, por exemplo, trabalha fortemente com políticas de redução de acidentes de trânsito e medidas de redução de velocidade para proteger os usuários mais vulneráveis da via, além de promoverem campanhas de prevenção a doenças relacionadas à falta de atividade física. O setor do meio ambiente incentiva a adoção de costumes diários pela população que reduzam as emissões de gases poluentes e prejudiciais à saúde ambiental e humana.

A economia, por sua vez, preocupa-se em desenvolver cidades produtivas, onde a população não perca tempo em congestionamentos e os comércios e serviços sejam prósperos devido ao fácil acesso pelos clientes. Todos estes objetivos são comuns ao setor de transporte ativo, que pode atuar como entidade catalizadora de resultados como impactos na saúde, na economia e no meio ambiente para promover a ampliação de medidas a favor da mobilidade a pé e de bicicleta.

Ações de nível federal

A maioria das ações efetivas para o fomento do transporte ativo recaem sobre o governo municipal por conta da incidência da legislação urbanística e da regulação e prestação de serviços urbanos. Entretanto, o governo federal possui um importante papel em coordenar e acelerar essas ações na cidade, dando orientação técnica e suporte financeiro.

Grande parte das cidades brasileiras carece de recursos humanos com capacitação para elaborar bons projetos de mobilidade. São necessárias diretrizes nacionais que mostrem os passos a serem seguidos para a construção de cidades mais sustentáveis. Além de dar suporte aos técnicos e empresas que executam projetos, estes materiais são igualmente úteis para a qualificação técnica de órgãos que atuam na fiscalização como, por exemplo, Ministério Público, Tribunal de Contas e os bancos financiadores.

As ferramentas utilizadas podem incluir manuais e sistemas de informação que equipem com ferramentas oficiais os vários atores (políticos, técnicos, população) para o exercício das suas funções. Casos de projetos de sucesso e formas de financiamento de infraestruturas também são úteis para as cidades. Os manuais podem ser adaptações de ferramentas já existentes em outros países, atualizações de edições passadas de manuais brasileiros e podem ser elaborados através de parcerias com a academia ou organizações não-governamentais. É importante, no entanto, que o governo federal torne os manuais oficiais para uso de forma padronizada.

Recentemente, o WRI Brasil lançou dois manuais específicos sobre transporte ativo:

Os programas de incentivo ao uso do transporte ativo desenvolvidos pelos municípios, como ruas abertas, ciclofaixas de lazer e empréstimos de bicicleta, devem ser endossadas pelo governo federal através de iniciativas de engajamento nacional. O governo federal deve desenvolver programas para apoiar o desenvolvimento de cidades comprometidas com o aumento do número de deslocamentos realizados a pé e de bicicleta. Estes programas podem envolver desde redução de impostos sobre bicicletas até campanhas nacionais de incentivo de uso dos modos ativos como meio de transporte diário e o desenvolvimento de um ranking de cidades com transporte ativo de qualidade.

O incentivo a pesquisas acadêmicas na área de mobilidade urbana é uma oportunidade para aumentar as informações disponíveis para a elaboração de projetos de transporte mais eficientes. As pesquisas podem abordar desde métodos inovadores para a obtenção de dados, até o desenvolvimento de novas tecnologias para a captação da energia dos passos e das pedaladas, por exemplo. O envolvimento da academia na realização destas pesquisas multiplica as fontes de diagnósticos. Centros de estudos de mobilidade urbana devem ser criados nas universidades para a formação de especialistas e possibilitar a troca de experiências com instituições internacionais. Além disso, os congressos acadêmicos nacionais sobre mobilidade devem ser incentivados, inclusive com participação de áreas como saúde, economia e ciências sociais.

Da mesma forma que se identifica a necessidade de alocar recursos específicos municipais para o transporte ativo, uma linha de financiamento federal com este enfoque demonstra, antes de tudo, o cumprimento da Política Nacional de Mobilidade (Lei 12.587/12) dando prioridade ao pedestre e ciclista nos investimentos em mobilidade. As qualificações que ocorreram na infraestrutura do transporte ativo nas cidades brasileiras recentemente foram, em sua maioria, implementadas com recursos secundários de projetos de outra infraestrutura principal, seja turística, construção de parques ou corredores de transporte de massa. O PAC calçadas, recentemente, deu um primeiro passo para viabilizar o financiamento federal de ações para o transporte ativo. Iniciativas como essa devem ser retomadas e ampliadas, possibilitando que projetos exclusivamente de transporte ativo possam acessar recursos federais.

Como financiar essas ações

Colocar em prática a série de ações listadas anteriormente é um grande desafio que envolve esforços de coordenação, gestão, alinhamento de atores e capacitação técnica das equipes. Entre tantos desafios, a busca por recursos financeiros que possam tornar essas ações realidade é um dos grandes obstáculos a ser vencido. Como parte das discussões realizadas pela força-tarefa, um dos temas que permeou todos os debates foram as alternativas de financiamento existentes para o transporte ativo e especificamente para as ações listadas neste documento. A seguir são descritas algumas possíveis ferramentas para o financiamento das ações apresentadas:

  • Recursos próprios: alocação de recursos do tesouro municipal na definição do orçamento anual e destinação de recursos específicos para projetos de transporte ativo. Podem ser criados também fundos municipais (de urbanismo, de mobilidade ou mesmo de transporte ativo) que definam percentuais mínimos destinados para o investimento em transporte ativo.
    Ações que podem ser financiadas: todas.


  • Impostos e cobranças: impostos municipais podem ser criados com o caráter de gestão da demanda de mobilidade e transferência de recursos para o transporte ativo, por exemplo a Cide Municipal (taxação sobre combustível), que poderia reduzir o uso do automóvel ao mesmo tempo em que gera recursos para a mobilidade. Além dos impostos, cobranças diretas como a taxação do congestionamento (congestion charging) e estacionamentos rotativos em vias públicas (áreas azuis) podem ser fontes de receita destinadas à qualificação de calçadas ou construção de ciclovias, paraciclos, etc.
    Ações que podem ser financiadas: 9 e 10 do nível municipal.
  • Contribuição de melhoria: A contribuição de melhoria é um instrumento previsto em lei e aplicado em muitas cidades brasileiras para a pavimentação de vias. Poderia ser utilizada como cobrança do benefício gerado pela qualificação de calçadas e ciclovias em determinadas regiões. Necessita estar articulada com a gestão pública das calçadas.
    Ações que podem ser financiadas: 9, 10, 11, 13 e 14 do nível municipal.
  • Consórcios de proprietários: Consórcios privados (entre dois ou mais proprietários de lotes ao longo de uma via) podem ser incentivados pelo poder público para que invistam conjuntamente na qualificação da infraestrutura do transporte ativo. Uma vez que, geralmente, é obrigação do proprietário do lote construir e manter as calçadas em frente ao terreno, intervenções organizadas entre os proprietários podem reduzir os custos com a obra, otimizar o tempo de realização e garantir a homogeneidade e continuidade da infraestrutura.
    Ações que podem ser financiadas: 10 e 14 do nível municipal.
  • Medidas compensatórias: A cobrança de medidas compensatórias (ou mitigadoras) para empreendimentos imobiliários de médio e grande porte são definidos nos EIV (estudo de impacto de vizinhança). Historicamente os recursos das medidas compensatórias são investidos em pavimentação de vias e outras qualificações urbanas sem a devida priorização ao transporte ativo. É necessário direcionar as medidas compensatórias para pacotes de intervenções urbanas em calçadas, ciclovias e outras ações para o incentivo do transporte ativo.
    Ações que podem ser financiadas: 9, 10, 13, 14 e 15 do nível municipal.
  • Cobrança por aumento de adicional construtivo: A cobrança por aumento no potencial construtivo de edificações é uma alternativa para obtenção de recursos crescente nas cidades brasileiras. Seja por meio da cobrança de Outorga Onerosa do Direto de Construir (OODC) ou venda de CEPACs (certificado de potencial adicional de construção) os recursos obtidos podem ser direcionados para infraestruturas de transporte ativo.
    Ações que podem ser financiadas: 9, 10, 11, 13, 14 e 15 do nível municipal.
  • Incentivos e subsídios: os governos municipais podem se utilizar de incentivo e subsídios para promover uma qualificação urbana que fomente o transporte ativo, como, por exemplo, reduções ou isenções temporárias no IPTU, concessões de potencial construtivo e outros instrumentos fiscais e urbanísticos. Estas ações podem incentivar o aumento no espaço de circulação em calçadas, criação de fachadas ativas, redução nas vagas de estacionamento obrigatórias, etc.
    Ações que podem ser financiadas: 9, 10, 11, 13, 14 e 15 do nível municipal.
  • Bancos de desenvolvimento, agências multi e bilaterais: O transporte ativo tem enorme potencial para a geração de impactos positivos do ponto de vista ambiental, social e econômico. Através de projetos que justifiquem uma redução nas emissões de gases de efeito estufa, redução da pobreza, aumento da atividade econômica ou aumento da qualidade de vida, é possível que o ente público acesse recursos de bancos de desenvolvimento e agências multi e bilateiras como o Banco Mundial, BID, CAF, AFD, KfW entre outros.
    Ações que podem ser financiadas: 1, 2, 4, 5, 6, 7, 12, 13, 14 e 15 do nível municipal e 1 do nível federal.
  • Fundos verdes: Os fundos verdes têm como objetivo a mitigação ou adaptação às mudanças climáticas. Projetos de transporte ativo podem, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a resiliência da população urbana em casos de eventos naturais extremos. Dentro desse contexto, é possível que as cidades acessem recursos de Fundos Verdes para implementar projetos de transporte ativo, desde que sejam projetos de grande porte em termos de impacto e valores.
    Ações que podem ser financiadas: Não pode financiar nenhuma das ações isoladamente, mas sim uma combinação das ações em um projeto maior.
  • Fundo de multas federal: Os recursos obtidos através da aplicação de multas por infrações de trânsito podem ser investidos em campanhas educacionais e de conscientização com relação ao transporte ativo ou na qualificação da infraestrutura.
    Ações que podem ser financiadas: 2 e 4 do nível federal.
  • Investimentos federais intersetoriais: O investimento em transporte ativo gera benefícios intersetoriais, podendo buscar recursos em Ministérios de outros setores que não somente o Ministério das Cidades ou aqueles relacionados à transporte. Um dos benefícios mais significativos diz respeito à melhoria das condições de saúde da população. Nesse sentido, um envolvimento do Ministério da Saúde em projetos de transporte ativo tem um caráter preventivo de uma série de doenças relacionadas à poluição e à inatividade física. Além disso, a pesquisa acadêmica e inovação (Ministério da Ciência e Tecnologia), sinalização e rotas turísticas (Ministério do Turismo), uso de espaços públicos e rotas culturais e de lazer (Ministério da Cultura) são alguns exemplos de investimentos que podem ser buscados em outros setores do governo federal.
    Ações que podem ser financiadas: 1, 2, 4, 5, 6, 7, 14 e 15 do nível municipal e 1, 2, 3 e 4 do nível federal.

As ações apresentadas neste documento fornecem a base para a construção de um plano de ação de incentivo ao transporte ativo nas cidades brasileiras. Servem como um portfólio no qual cada cidade, analisando seu contexto, deve definir ações que considera prioritárias e detalhá-las em maior profundidade. Da mesma forma, ocorre com as ações em nível federal.

O WRI Brasil espera contribuir com a disseminação e o detalhamento de algumas das ações aqui apresentadas com o objetivo de disseminá-las e incentivar um aumento no investimento em transporte ativo no Brasil. Com o apoio do Ministério das Cidades, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), da Agencia Nacional de Transportes de Passageiros (ANTP), da União de Ciclistas do Brasil (UCB) e do MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos) espera-se definir formas de difundir este conteúdo e, na medida do possível, apoiar as cidades brasileiras na construção de seus planos de ação para o incentivo ao transporte ativo, bem como com as estratégias de financiamento para viabilizá-las.

Para fazer o download deste documento em PDF, clique aqui.


Expediente

Equipe técnica:

Paula Santos - Gerente de Mobilidade Ativa do WRI Brasil

Henrique Evers - Gerente de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil


Equipe de comunicação:

Mariana Gil - Especialista de Comunicação Visual do WRI Brasil

Daniel Hunter - Assistente de Comunicação Visual do WRI Brasil

Paula Tanscheit - Analista de Comunicação do WRI Brasil

Priscila Pacheco - Analista de Comunicação do WRI Brasil

Bruno Felin - Especialista de Comunicação do WRI Brasil

20 ações para impulsionar o transporte ativo no Brasil
  1. Section 1
  2. Os desafios do transporte ativo
  3. Ações
  4. Ações de nível municipal
  5. Ações de nível federal
  6. Como financiar essas ações
  7. Implementação